28/11/2009

Cidades de terra - Yazd, Irão

Edifícios típicos da zona antiga de Yazd. Fonte da imagem: http://www.spiritsofadventure.com/journal/iran/yadz/yazd-sky-line-from-jemah-mo.jpg

Imagens aéreas de zonas distintas da cidade de Yazd, reveladoras das mudanças de abordagem no que ao desenho da malha urbana diz respeito. Fonte: Google maps

Nos últimos três meses tenho dedicado algum tempo a investigar a utilização do material terra em contexto urbano. Não é novidade que tal fenómeno aconteça, já que desde tempos remotos, cidades inteiras foram erguidas graças ao material terra, isto muito antes da existência de outros materiais como o betão ou o aço, agora considerados quase imprescindíveis, ser conhecida.
Não deixa no entanto de ser surpreendente a quantidade imensa de “cidades de terra”.
Uma das primeiras afirmações que li logo que iniciei o estudo deste material começa agora a ganhar sentido e forma: “Mais de metade da população mundial vive em casas de terra”.
À medida que a minha literature review progride, a minha mente, antes formatada para os materiais “ocidentais”, começa a questionar qual será a metade do mundo que sairá vencedora nesta batalha dos materiais de construção mais apropriados…

Felizmente, tenho a sorte de partilhar o meu espaço de trabalho com outros investigadores na área da arquitectura. Umas quantas secretárias atrás da minha, encontra-se um colega do Irão que percorre já a fase final do seu doutoramento. Este consiste basicamente na investigação da eficiência dos sistemas de arrefecimento passivo utilizados nos edifícios tradicionais na cidade de Yazd, no Irão. Se bem que a sua pesquisa não diga respeito concretamente à construção em terra, acaba por abordar esta temática uma vez que que estes edifícios são sobretudo compostos por blocos de terra secos ao sol.
O meu colega, de nome Ahmadreza Foruzanmehr, explicou-me que a malha orgânica desta cidade, assim como os próprios edifícios e seus elementos característicos foram originalmente concebidos com a função de proporcionar bem-estar aos ocupantes. Para tal, sempre se recorreu à sabedoria que provou ser eficaz durante séculos. Ora veja-se a simplicidade dos factos:

- A distribuição dos espaços baseia-se numa ocupação que varia consoante a altura do ano, do dia e da temperatura exterior, isto é, os ocupantes das habitações migram dentro das mesmas de forma a buscar o conforto térmico. É, por exemplo, comum pernoitar no terraço e passar as horas mais quentes do dia na cave.
- A existência de um pátio, em função do qual todo o espaço é gerado, geralmente onde os elementos água e vegetação marcam presença, garante a produção de um micro-clima que vai também ser fundamental para o conforto nos restantes espaços das habitações.
- Quanto à escolha do material, a terra, era principalmente nos recursos e saberes locais que se confiava para erguer as paredes dos edifícios.

É visível que também esta cidade se está a deixar influenciar pelo “desenvolvimento”, enquanto pessoas e edifícios contribuem para a mudança de paradigma construtivo e social e uma nova malha urbana é assim definida. Uma sucessão de eventos e tecnologias disponíveis têm contribuído para este facto que se assemelha cada vez mais a uma bola de neve que parece não parar de crescer.

- A destruição quase total dos edifícios de terra da cidade de Bam após o terramoto de 2003 afectou a confiança da população de tal forma que é agora corrente afirmar-se que não confia na capacidade estrutural do material terra e como tal, não o desejam para as suas casas;
- Outros materiais utilizados noutras partes do mundo, agora igualmente incorporados na indústria da construção no interior das fronteiras da cidade de Yazd, parecem garantir segurança e estabilidade e para além disso permitem que se aumente a densidade de construção;
- A utilização destes outros materiais, como o betão e aço, associados à introdução de meios de arrefecimento mecanizado alteram a configuração da casa tradicional, já que eliminam a necessidade de espaços de ocupação sazonal e de elementos de arrefecimento passivo, etc.;
- O preço elevado da terra, aliado aos factores acima mencionados, elimina ainda a necessidade de existência de um pátio, antes elemento fundamental e definidor da arquitectura tradicional desta área;
- As ruas, anteriormente estreitas e orgânicas, entre outras razões para se manterem em sombra e por isso frescas na maior parte do dia, são agora largas e ortogonais, como que rasgadas no tecido urbano;

A minha questão prende-se portanto com o espírito de lugar e identidade local. É complicado opinar sobre este processo de mudança sem viver o espaço como habitante e, sobretudo, sem saber se esta mudança contribui de facto para a melhoria da qualidade de vida dos habitantes. No entanto, e julgo que isto se aplica a muitas outras zonas urbanas, não posso deixar de pensar se existem ou não necessidades artificiais a serem criadas por entidades locais com alguma influência e que estão, de alguma forma, a contribuir para uma mudança de paradigma que pode correr o risco de trazer consequências não antecipadas e irreversíveis.

Não sou de todo contra a evolução das sociedades e não me oponho sobretudo à melhoria da qualidade de vida das pessoas, julgo no entanto, que no que ao ambiente construído diz respeito, que acaba por influenciar muito mais do que simplesmente a escolha do material a incorporar as paredes, antes de se tomar qualquer decisão que pode provar vir a ser irreversível, existem muitas questões que necessitam imperativamente de ser consideradas.
Estaremos a esquecer esta fase de reflexão, elemento fundamental do planeamento urbano, em detrimento de um conceito adulterado de desenvolvimento?

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