11/05/2009

Utilização de massa térmica no contexto climático do Reino Unido

Iniciei o percurso da terra como uma espécie de purista. Uma parede de terra era uma parede de terra e qualquer elemento a ela acrescentada, como isolamento ou revestimento, não lhe serviria boa função. Assim pensava até há pouco tempo. Reconheço agora que o facto de ter vivido em território lusitano tantos anos me alimentou de alguma forma esta ideia. É verdade que o clima é propício à utilização da terra enquanto material de construção na sua forma “pura”, isto é, parede exposta ao exterior, no entanto, é também verdade que diferentes situações exigem diferentes soluções. Há que ultrapassar ideias pré-concebidas, especialmente quando pregamos aos sete ventos que a terra é suficientemente flexível para se adaptar a qualquer parte do mundo, independentemente do seu contexto climático, geográfico, social ou cultural. O último trabalho do MSc proporcionou-me a fantástica oportunidade de conceber e testar o comportamento das paredes externas de taipa num edifício localizado em Oxford, Reino Unido. Este país é provavelmente dos mais rígidos em termos de regulamentação aplicada ao sector construtivo, é também dos que mais tem investido na adaptação dos regulamentos à exigência da conservação energética no edificado. Estes factores, aliados a um clima onde os altos níveis de precipitação e as baixas temperaturas representam uma constante na maior parte do ano, foram decisivos na opção da inclusão de isolamento aplicado pelo exterior e revestimento de madeira.


Para a construção do brief deste exercício académico, tive como objectivos principais os seguintes:


a) Desenho solar passivo (sem recurso a sistemas auxiliares de arrefecimento ou aquecimento);

b)Ligeira inclinação da fachada principal com o objectivo de permitir a entrada de mais luz natural;

c) Fachada principal orientada a Sul, contemplando uma área considerável de vidro de forma a permitir o acesso de ganhos solares durante o Inverno. Um sistema de sombreamento móvel, controlado pelos ocupantes, garantirá o controlo da entrada dos ganhos solares no Verão;

d) Fachada Norte com vãos de dimensões reduzidas, banindo assim as excessivas perdas de calor;

e) Sistema de ventilação nocturna garante o controlo das temperaturas internas no Verão, evitando o sobreaquecimento;

f) Utilização de materiais naturais de baixa energia incorporada (sobretudo terra e madeira) de preferência de origem local, no sentido de evitar o transporte a partir de longas distâncias;

g) Utilização de cobertura ajardinada, não só como forma de contribuir para a estratégia geral de bom comportamento térmico da casa mas também para o desenvolvimento da biodiversidade da zona na qual o edifício se insere;

h) Inclusão de espaço de trabalho no piso superior, providenciando desta forma a escolha de trabalhar a partir de casa.

Estudo da luz natural no interior da casa

O processo de desenho foi acompanhado pela ferramenta de modelação térmica IES, o que veiodeterminar a alteração de muitas das escolhas de desenho iniciais por prejudicarem o desempenho térmico do edifício como um todo. Foi o caso dos vãos localizados a Norte, cujas dimensões foram alteradas por diversas vezes, para melhor se acomodarem ao objectivo pretendido. (As novas tecnologias têm trazido maravilhas ao processo do desenho passivo!!)

O gráfico apresentado em baixo demonstra a variação das temperaturas verificadas no interior e exterior do edifício nos dias 2, 3 e 4 de Janeiro de um ano típico do clima do Reino Unido.
Embora as condições internas da casa de taipa apresentem, aparentemente, um nível térmico desconfortável, será talvez importante notar os valores quase constantes das temperaturas (divisões internas mostradas em tons de verde), contrastando com as variações acentuadas verificadas no exterior (linha azul).
A maior diferença, em relação a uma construção típica de parede dupla com cavidade preenchida por isolamento (gráfico em baixo), reside, no entanto, na elevada capacidade térmica proporcionada pela massa das paredes de taipa. Funcionando como uma espécie de bateria, carrega durante o período diurno através da absorção dos ganhos solares e internos, libertando depois esta energia sobre a forma de calor para o interior da casa durante o fim da tarde/noite. As temperaturas internas sobem enquanto as condições exteriores se tornam mais frias e desconfortáveis. Na construção convencional, tal não se verifica, sendo que as temperaturas internas oscilam em paralelo com as externas.
Basicamente, é a diferença entre entrar em casa ao fim da tarde e encontrar 14˚C (casa de taipa) ou cerca de 10˚C (casa convencional), quando no exterior se vive o desconforto de temperaturas negativas (no exemplo apresentado).

Que conclusões se podem retirar deste tipo de estudos? Na minha opinião a resposta não podia ser mais simples. Encontramo-nos obviamente perante um material que não só tem toda a capacidade de ombrear com qualquer material actualmente existente na indústria da construção, mas apresenta também todas as características para desempenhar um papel importante na estratégia para a redução de consumo energético e emissões de CO2 oriundas do sector dos edifícios.

De que estamos à espera então?...

1 comment:

Taipa said...

Oi Célia, estes dois últimos gráficos (parabéns pelo post) demonstram claramente aquilo que horas de dialética e argumentos junto de clientes, amigos desconfiados e cépticos incultos não conseguem. A inércia térmica da terra é sem sombra de dúvidas uma das suas mais fortes mais-valias, e nesse sentido não me chateia nada que tu a protejas pelo exterior do clima rigoroso, nós no alentejo caiamos a taipa, tu em Inglaterra revestes de ripado de madeira. Bom trabalho!